Descanse em Paz...
O Rio de
Janeiro anda tão perigoso que nem os mortos estão tendo mais o direito de
descansar em paz. Tanto assim, que muitos cemitérios trancam as capelas durante
a madrugada, só reabrindo na parte da manhã. Os bandidos sabem que o morto está
“duro”, mas os vivos sempre têm alguma coisa para perder.
O Valter
cumpriu a sua tarefa no globo terrestre e foi ao inevitável encontro com o
criador. Assim que a capela abriu pela manhã, começaram a chegar os parentes.
Pedrinho, um garoto muito curioso correu logo para perto caixão. Só ele e o
defunto estavam na capela. O garoto teve certo receio de ver quem estava dentro
do paletó de madeira.
_ O que você quer Pedrinho?
O moleque
quase enfartou, pois não reconheceu a voz do pai e achou que era o morto que
havia feito a pergunta.
_ Pô, pai. Isso é coisa que
se faça? _ ele se virou para o genitor _ Quase que a gente tem de voltar para
casa para eu trocar as calças.
E começaram a chegar os parentes. Já repararam que o sujeito
quando morre, se a Igreja Católica permitisse, seria canonizado ali mesmo,
antes do enterro...
_ Ele era tão bom.
Era a frase mais repetida nas rodinhas. Um parente do Valter
que era chegado a beber no mesmo copo do Lula, se aproximou do caixão. Ficou
algum tempo e depois sai da capela. Na entrada cruzou com um primo que havia
acabado de chegar.
_ Como está? _ perguntou o recém-chegado.
_ Morto! _ respondeu o
parente bêbado, pensando que a pergunta se referia ao defunto.
Se o morto na ressuscitou com o bafo daquele parente, nada
mais o faria levantar.
Valter havia deixado três viúvas. A primeira, que casou
quando ele era um “João Ninguém”. A segunda, que viveu com ele quando a maré
estava melhor e era só um “João”. E a última, muito mais nova, que pegou no
momento da vida em que ele tinha “nome e sobrenome”. Se detestavam, mas se
aturavam naquele momento de despedida...
_ Não pode ser verdade que
ele morreu. _ dizia a viúva com mais idade.
No que o bêbado se aproximou dela.
_ Se não for verdade, acho
uma sacanagem, pois gastaram uma grana nesse velório e ainda vão enterrar o
cara daqui a pouco...
As três recebiam atenção pela perda, mas, a mais nova, era a
mais consolada pelos homens, doidos para experimentar o espaço vazio na cama
dela, antes mesmo dele esfriar...
_ Deve ter morrido de tanto
usar Viagra com essa daí. _ dizia a viúva do meio. Aquela com menos atributos
físicos das três.
Enquanto isso, lá estava o Valter. Alinhado como sempre
viveu. Vestindo um terno caríssimo que a vida lhe proporcionou. Se não
estivesse morto, poderia sair dali e ir direto para uma reunião em Brasília,
que está cheia de gente que já morreu e não sabe...
Recuperado do susto, Pedrinho se aproximou do pai e
perguntou.
_ Pai, por que a gente morre?
_ Filho... _ o pai escolhia
as palavras para não espantar a criança. _ A vida é um ônibus. Quando a gente
desce desse, embarca no outro, que é o da morte. E a parada desse segundo
ônibus é o céu.
_ Pois eu quero ficar nesse ônibus
daqui. _ disse o bêbado. _ A passagem é muito cara e eu quero aproveitar muito
a viagem.
E lá se foi o Valter para o “vai e vem da estação”. Enquanto
uns chegam outros partem. E ele aproveitou bastante a sua estada pelo “Lindo
Balão Azul”. Se não foi a alma mais pura que existiu no Brasil (privilégio do
Lula), pelo menos, durante o velório, foi elevado à condição de “São Valter”...
Nenhum comentário:
Postar um comentário