O drama de colocar um 39 dentro de um
37...
Você é
convidado para ser padrinho de casamento. Aceita. Afinal de contas, o casal é amigo da sua
mulher. E a sua mulher é quem decide como vocês devem ir. Só por causa disso
você já deve ser penalizado. Jamais, em tempo algum, deve deixar que decidam o
que você vai vestir ou calçar. Isto é pessoal e intransferível.
Mas ele deixou
a mulher escolher. Na sexta-feira à noite ela chegou com um sapato italiano legítimo.
Muito bonito. Porém, havia um pequeno detalhe. “Pequeno” mesmo: o número era
menor que o seu.
_ Eu calço 39. Isto aqui é 37. Há alguma coisa errada. Você
não acha?
_ Eu achei lindo. _ disse a mulher cheia de razão. _ O
vendedor disse que só tinha 37. E me fez um preço especial.
_ Tá,ele te empurrou o sapato. Mas como é que vou enfiar um 39 dentro de um 37? _ ele
tentou argumentar. _ Teremos que trocar.
_ Não dá tempo. O casamento é amanhã de tarde. Pela manhã a
gente tem de pegar a roupa dos padrinhos. Vai ter que ser esse mesmo. Ele é
lindo. Italiano. Seus pés nunca calçaram um italiano. E só tinha esse.
Italiano,
inglês, baiano. Pouco importava. O negócio era o fato de o calçado ser dois números
abaixo do seu.
_ Vai ser como colocar o Rio de Janeiro dentro de Niterói.
No sábado foi
aquela correria para se aprontar para o casamento. Principalmente a mulher.
Diga-se de passagem, as mulheres (a maioria delas) deveriam começar a ser
arrumar com um dia de antecedência. Talvez, dessa forma, elas conseguissem
estar prontas com apenas meia hora de atraso.
Só Deus sabe
como ele conseguiu calçar o número 37 no pé 39. Mas conseguiu. Chegou à igreja
já querendo tirar os sapatos. Mas não havia como. Era um dos padrinhos. Estaria
à vista de toda a igreja. Por isso, nada feito.
Nos primeiros
30 minutos pensou em matar a mulher. Mas isso teria que ser feito lentamente
para que ela sofresse como ele estava sofrendo. Porém, o seu ódio voltou-se
para a noiva. Logo naquele dia ela resolveu atrasar. Tudo bem que toda noiva
costuma atrasar. Mas vai daí a cretina atrasar uma hora e meia já era a título
de sacanagem. Os seus dedos estavam tão dobrados que achava que eles nunca mais
voltariam à posição normal, nem mesmo se fizesse uma massagem como “Viagra em
gel”.
_ Não estou aguentando mais? _ falou para a esposa.
_ Segura à onda. Daqui a pouco acaba.
_ Daqui a pouco? Esse desgraça de casamento nem começou.
Bom, com a
chegada da noiva, o casamento deveria terminar em pouco tempo. Pelo menos era
essa a esperança dele. As dores estavam ficando insuportáveis. E seu desespero
aumentou quando o pastor resolveu fazer uma pequena explanação ante da
cerimônia propriamente dita. Para aumentar o sofrimento dele, a pequena
explanação do pastor parecia um resumo de todos os livros da Bíblia. Levou
quase uma hora.
_ Meu Deus, se ele demorar mais um pouco, vai ser o “apocalipse”
dos meus dedos. Desejaria que o dilúvio acontecesse novamente e eu morresse
para me aliviar dessa dor.
_ Deixa de ser dramático. _ disse a mulher.
_ Dramático? Essa joça que você comprou é dois números menor
que o meu pé. Não é drama. É desespero de causa.
E o casamento
não acabava. Estava quase dizendo que tinha algo contra aquela união, só para
terminar a cerimônia. Estava pedindo a Deus que mandasse um raio direto nos pés
dele. Assim, estaria livre da dor.
Lágrimas
brotavam dos seus olhos. Os convidados presentes à igreja, os demais padrinhos,
todos achavam que ele era muito sensível e estava emocionado com a cerimônia.
Mal sabiam do drama que vivia.
Três horas e meia de casamento
(contando com o atraso da noiva).
_ O pastor não tem mais nada para fazer, não? Meu Deus, acabe
com esse casamento ou acabe com a minha vida.
Os meus dedos já querem se separar do restante do corpo, em represália
ao que estão sendo obrigados viver.
Alguns minutos
depois ficou feliz ao ouvir o pastor dizer, vão em paz. A sua dúvida era saber
se conseguiria andar novamente, após ser exposto ao que passou, durante horas,
não sabia se sairia Dalí em cadeiras de rodas.
Deixou a mulher
no local da festa, foi em casa voando, pegou um par de chinelos e voltou para o
salão. Aproveitou o fato da toalha da mesa ser comprida, retirou os sapatos e
calçou os chinelos. Nunca ficou tão feliz em realizar um gesto tão simples
quanto calçar chinelos.
Quase todos os
convidados fizeram questão de cumprimentá-lo pela emoção que deixou
transparecer durante a cerimônia, inclusive os noivos e os pais deles. Mal
sabiam que não se tratava de emoção. Era dor mesmo...
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