Uma princesa, uma marmita e o
busão.
Como nem todo mundo tem a sorte de ter um pai que mete
a mão nos cofres da Petrobras, um pai deputado, senador, ou um pai que especula
no mercado financeiro, muita gente tem que enfrentar um ônibus lotado para
chegar ao batente diariamente. Como todo bom “desfavorecido social”, a minha
amiga (cujo nome vou preservar), tem de encarar um “busão lotado” logo nas
primeiras horas da manhã.
Olha que ela é muito chique, apesar de tudo. Veste-se
com as melhores marcas, que são pagas em suaves prestações a perder “muito” de
vista. Mas ela está sempre altiva, sem perder a sua pose de Lady. Mesmo quando
tem de correr atrás do ônibus, nos dias em que o motorista resolve antecipar o
horário. Após muitos tapas na lataria, o “chofer”, para e ela, toda garbosa
(mas totalmente sem fôlego), adentra ao “Mercedão”. Como se nada houvesse
ocorrido.
Há dias em que ela quase cai de tanto que corre atrás
do miserável do motorista, que parece se divertir com o “sofrimento” alheio.
Dentro do busão, ela passa o seu RioCard como se estivesse passando um “Diners”
na recepção do Waldorf Astoria, em Nova York. Depois olha para aquele
lugar que está sobrando e senta-se com a mesma elegância de uma Lady Kate
Middleton.
Mas, como sempre digo, quando algo está para dar errado
vai dar. Por mais que você tenha feito as suas “orações” antes de sair de casa.
Naquele dia a mãe dela havia preparado uma marmita “porreta” (lembrem-se: ela
tem “ar de princesa”, mas não nasceu em berço de ouro). No fausto “cardápio
marmital” havia arroz, dois ovos cozidos, um bife acebolado e, para completar,
uma bela salada de repolho, couve e brócolis.
Como o dia estava nublado e chovia um pouco, as janelas
do ônibus estavam fechadas parcial ou completamente. Sabe como é, carioca
quando vê um dia nublado e chuvoso, acha que está frio e só falta colocar um
agasalho para temperaturas abaixo de zero.
Foi quando o aroma da marmita começou a “fluir” pelo
ônibus. Ela logo percebeu que todos estavam ligados no “gás tóxico” oriundo da
mistura de repolho, couve e brócolis, que lembrava em muito aqueles exalados
por quem “abre a marmita” (se é que me faço entender).
Sem perder a classe, minha amiga foi baixando a sacola
onde transportava a “maravilhosa marmita” preparada pela mamãe, tentando fazer
com que ninguém notasse de onde partia o cheiro. Mas a sua vizinha de poltrona
foi a primeira a desconfiar da origem. E começou a olhar para ela atravessado,
imaginando que a minha amiga estaria “liberando aquele gás”. Sem perder a pose,
a gata fez o famoso “olhar de paisagem” fingindo que nem sabia do que se
tratava.
Mas a “vizinha de poltrona” foi apenas o primeiro
“olhar acusatório” que ela recebeu. Logo, os narizes mais aguçados já
desconfiavam de tudo. Minha amiga ficou totalmente sem graça. Mantendo a pose,
mas sem graça. Sua vontade era saltar do ônibus alegando que havia esquecido
algo em casa. Analisou até a possibilidade de se alistar na excursão que vai
colonizar Marte.
Pensou em largar a sacola onde a marmita estava
deixando-a cair lentamente embaixo do banco. Qualquer coisa diria que “aquilo”
teria sido deixado ali. Mas como era a primeira viagem. Não daria certo.
O motorista, aquele sádico que gosta de fazer as
pessoas correrem atrás do ônibus, também já havia sentido o “odor” que tomava
conta do ambiente e deu um palpite:
_ Gente, pelo amor de Deus. Ou vocês abram as janelas
ou descubram que está “abrindo a marmita” aqui dentro. Até chegar ao centro.
Isto aqui vai virar uma câmara de gás.
Minha
amiga estava completamente vermelha. Havia quem desconfiasse ser ela uma vítima
do “cheiro”, mas só ela sabia o motivo de sua face rubra. A vizinha continuava
sem tirar os olhos dela. Minha amiga olhava para ela com o canto dos olhos. E
logo naquele dia o trânsito na Avenida Brasil resolveu ficar pior do que de
costume.
Não
houve jeito. As janelas foram se abrindo uma a uma. Mesmo com a chuva fina que
insistia em molhar quem estava no canto. Era melhor ficar molhado que morrer sufocado.
O sofrimento da minha amiga só foi terminar no centro da cidade, quando a as
pessoas foram saltando aos poucos do ônibus. Mas como todo sofrimento é pouco,
a vizinha de poltrona foi uma das últimas a saltar. E antes de fazê-lo ainda
lançou um olhar acusatório para ela como quem diz:
_Sua porca...
Quando
se preparou para saltar, o cobrador lhe chamou e disse:
_Princesa, quando o dia estiver chuvoso, evite comer,
na noite anterior, ovo e repolho. Senão, ninguém aguenta...
Minha amiga desceu do ônibus sem perder a pose. Porém,
prometeu que durante uma semana vai encarar a lata de sardinha do metrô, em vez
do ônibus e vai proibir a sua mãe de misturar na mesma marmita, ovo, repolho,
couve e brócolis...
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