Síndrome de Segunda-Feira.
Olhou para
frente e viu um pouco de claridade que entrava pela janela. Seu corpo pesava
toneladas. Pensou em dormir m pouco mais, mas o alarme do celular tocava “I was
Made For Lovin’ You” com o Kiss em alto e bom som. Tentou encontrá-lo na cabeceira,
mas acabou derrubando-o. O celular se dividiu em várias partes.
Quase teve um
troço. Pensou em proferir palavrões. Desistiu. Sentou-se na cama e ficou
tomando coragem para se levantar.
Creeeeec
Suas costas
reclamavam dos esforços do fim de semana. Vôlei, piscina, bicicleta com as
crianças, feira com a mulher. Shopping. Jurou que iria reduzir as atividades na
semana seguinte. Sempre prometi isso, mas nunca cumpria.
Foi colocar os
pés no chinelo, os dois simultaneamente...
ARGHHHHHH!!!
Os chinelos
estavam molhados. Só poderia ser coisa do Peludo, o poodle do filho mais novo.
Jurou que se o encontrasse o venderia para uma fábrica de sabão. Mesmo que os
filhos o levassem à Corte Marcial.
A esposa, ao
lado dele, olhou com cara de poucos amigos.
_ Será que não dá para levantar sem fazer barulho? Hoje não
tem aula para as crianças.
Pensou em
responder, mas desistiu. Catou o celular no chão, caminhou lentamente em
direção à porta do quarto. Ao abri-la, bateu com o dedão. Instintivamente olhou
para baixo para ver o estrago e acabou batendo com a cabeça na quina.
Lembrou dos palavrões que não proferiu antes. Eles passaram pela sua mente em “fast
motion”. Conteve-se. A mulher poderia brigar.
Chegou ao
banheiro sem incidentes. Pegou o crime de barbear, empastou o rosto. Só aí viu
que estava sem aparelho de barbear. O elétrico estava na autorizada. Lavou o
rosto com muita má vontade. Foi à rua, comprou um novo aparelho descartável.
Tirou a roupa,
entrou no Box e abriu o chuveiro. Quando a água fria bateu nele lembrou que
havia queimado à noite. Tomou o banho rapidamente e, mais, uma vez pensou em diversos
palavrões.
Voltou para o
quarto e se arrumou sem fazer barulho e foi para a cozinha. Abriu a geladeira e
o pote de manteiga caiu virado sobre o sapato que havia engraxado durante a
noite. Limpou o sapato praguejando e pensando em mais alguns palavrões.
Desistiu de
comer pão. Queria o apenas um copo de leite. Quando o colocou para ferver, o
telefone tocou na sala. Olhou para o leite e achou que daria tempo. Correu para
a sala, antes que a mulher acordasse. Atendeu. Era engano. Correu de volta para
a cozinha. O leite derramou. Quem ferveu foi ele. Decidiu sair em jejum.
Saiu e no
caminho cruzou com o “Peludo”. Pensou em tirar as diferenças por causa do
chinelo. Mas entrou no carro jurando vingança em outra hora. Ligou e saiu.
Estava tudo bem agora. Ligou o MP3 e começou a cantar “Rock’n Roll All Night”
com o Kiss. Olhou o sinal fechado, mas, como não vinha ninguém, resolveu
avançá-lo. Nunca havia guarda àquela hora. Não havia completado o avanço,
quando ouviu o apito. Naquele dia havia guarda. Foi multado, perdeu pontos na
carteira. Desligou o som e voltou a fechar a cara.
Chegou ao
escritório uma arara. Ligou o ar condicionado e ele não funcionou. A secretária
avisou que o rapaz da manutenção iria vir mais tarde. Ainda bem que estava no
inverno. Ligou o computador e o HD deu pau. O gerente ligou do banco chamando-o
para ir à agência. Havia uns problemas na conta da empresa.
A esposa ligou
de casa avisando que a mãe dela havia chegado e iria passar a semana com eles.
Nossa, ele amava a sogra. Assim como flamenguista ama vascaíno, atleticano ama o cruzeirense, o gremista ama o colorado. Chegou a pensar em suicídio, mas a
única pistola que havia ali era a de água que o filho havia esquecido durante
uma visita surpresa.
Abaixou a
cabeça na mesa. Ficou algum tempo assim e, quando levantou, olhou fixamente
para o calendário e descobriu a razão de tudo:
_ Era segunda-feira...
Nenhum comentário:
Postar um comentário